Texte de présentation, exposition MUHNAC, par Sofia Marçal, commissaire

A árvore que fascina, inspira e abraça

L’arbre qui fascine, inspire et embrasse

O Museu Nacional de História Natural e da Ciência está a desenvolver um programa de residências artísticas no qual os artistas podem trabalhar com as coleções científicas do museu e com os seus curadores. Neste contexto a artista plástica Christine Enrègle realiza a exposição, Do jardim tropical ao carvão vegetal: o desenho na linha das metamorfoses.Série de trabalhos desenhados a carvão vegetal realizados durante a residência da artista no museu, de 9 de setembro a 29 outubro 2021.

Le Musée national d’Histoire naturelle et de la Science développe un programme de résidences artistiques permettant aux artistes de travailler à partir des collections scientifiques du musée et avec ses commissaires. C’est dans ce contexte que l’artiste Christine Enrègle présente l’exposition Du jardin tropical au fusain : le dessin au fil de ses métamorphoses. Série de dessins réalisés au fusain pendant sa résidence artistique au musée, du 9 septembre au 29 octobre 2021.

A árvore Ficus macrophylla roxburghii inspirou a Christine para realizar os seus desenhos. “A figueira-estranguladora, originária da Austrália, pode germinar sobre árvores hospedeiras, estrangulando-as à medida que as suas raízes aéreas crescem e se estabelecem no solo, formando troncos secundários que rodeiam o tronco grosso e compacto. A árvore é muito exigente em água e tem uma elevada taxa de crescimento, podendo atingir mais de 60 m de altura. As folhas são grandes, espessas, de um verde-escuro brilhante. Como qualquer figueira, estabelece mutualismo obrigatório com uma espécie de vespa que garante a polinização, não existindo produção de figos férteis na sua ausência.” (Ireneia Melo e Raquel Barata botânicas do Museu Nacional de História Natural e da Ciência.) A intenção da artista é atingir o princípio da sua criação com a apropriação da imagem da árvore materializada no desenho.

L’arbre Ficus macrophylla roxburghii a inspiré Christine pour la réalisation de ses dessins. « Le figuier-étrangleur, originaire d’Australie, peut germer sur des arbres-hôtes, en les étranglant au fur et à mesure que leurs racines aériennes grandissent et s’enracinent dans le sol, formant des troncs secondaires entourant le tronc principal, épais et compact. L’arbre est très exigeant en eau et a une capacité de croissance élevée, pouvant atteindre plus de 60 m de hauteur. Les feuilles sont grandes, épaisses, d’un vert foncé, brillant. Comme tout figuier, il établit obligatoirement un mutualisme avec une sorte de guêpe assurant la pollinisation, en l’absence de figues fertiles.” (Ireneia Melo et Raquel Barata, botanistes au Musée national d’Histoire naturelle et de la Science.)L’intention de l’artiste est d’atteindre son principe de création en s’appropriant l’image de l’arbre que matérialisent ses dessins.

O tema é um pretexto para aprofundar a criatividade e a sensibilidade de Christine, é um caminho para chegar à composição final. A árvore é o símbolo mais presente que existe em todas as civilizações e que já inspirou muitos artistas. Esta árvore a figueira-estranguladora, está sujeita a várias interpretações e cria proximidade com as pessoas, as suas raízes orgânicas estimulam o nosso imaginário. “Como se arrancasse das profundezas da terra as nodosas raízes de árvore descomunal, é assim que te escrevo, e essas raízes como se fossem poderosos tentáculos como volumosos corpos nus de fortes mulheres envolvidas em serpentes e em carnais desejos de realização, e tudo isso é uma prece de missa negra, e um pedido rastejante de amém: porque aquilo que é ruim está desprotegido e precisa da anuência de Deus: eis a criação.” (Clarice Lispector, in Água Viva,p. 10.) A artista situa estes desenhos no território da possibilidade da mediação entre o céu e a terra, a verticalidade da árvore proporciona essa relação.

Le thème est un prétexte pour approfondir la créativité et la sensibilité de Christine : c’est un chemin vers la composition finale. L’arbre est le symbole le plus présent qui existe dans toutes les civilisations et qui a déjà inspiré de nombreux artistes. Cet arbre, le figuier-étrangleur, est sujet à diverses interprétations et crée une proximité avec les personnes, ses racines organiques stimulant notre imaginaire. « Comme si j’arrachais des profondeurs de la terre les racines noueuses d’un arbre démesuré, c’est ainsi que je t’écris, et ces racines comme si elles étaient de puissantes tentacules pareilles à des corps volumineux de femmes fortes, enveloppées de serpents et de désirs charnels d’accomplissement, et tout cela est une prière de messe noire, et une demande rampante d’amen : car ce qui est mauvais est sans protection et a besoin de l’assentiment de Dieu : voilà la création.” (Clarice Lispector, in Eau vive, p. 10.) L’artiste situe ces dessins dans le champ de la possibilité de la médiation entre le ciel et la terre, la verticalité de l’arbre permettant cette mise en relation.

Os desenhos, assim com esta árvore específica, têm características antropomórficas, a dimensão dos trabalhos é muito importante para criar visualmente essa leitura e nos remeter para uma perspectiva onírica. Citando a artista, “passo muito tempo a olhar a árvore, em dois dias tirei 500 fotografias, preciso desse tempo de meditação para absorver. Sou sensível ao jogo da luz e da maneira como esta incide na árvore e as sombras que cria.” Estes trabalhos são desenhados directamente na tela, a artista não faz esboços. Desenha a partir da visualização directa da árvore e de fotografias que vai tirando ao longo do seu processo de trabalho.

Les dessins, tout comme cet arbre spécifique, ont des caractéristiques anthropomorphiques : les dimensions des travaux sont très importantes pour créer visuellement cette lecture et ouvrir sur une perspective onirique. Je cite l’artiste : « je passe beaucoup de temps à regarder l’arbre : en deux jours, j’ai pris 500 photos. J’ai besoin de ce temps de méditation pour absorber. Je suis sensible au jeu de la lumière et à la façon dont elle se concentre sur l’arbre et aux ombres qu’elle crée.” Ces dessins sont réalisés directement sur toile : l’artiste ne fait pas de croquis. Elle dessine à partir de l’observation de l’arbre, d’après les photographies qu’elle prend tout au long de son processus de travail.

Christine gosta de observar a árvore através de diversos pontos de vista e assim, pouco a pouco, vai descobrindo as suas várias formas e só depois desta contemplação é que a vai fotografar. “Na obra, o artista não se protege somente do mundo, mas da exigência que o atrai para fora do mundo. A obra doma e submete momentaneamente esse ‘lado de fora’, restituindo-lhe uma intimidade, ela impõe silêncio, confere uma intimidade de silêncio a esse lado de fora sem intimidade e sem repouso que é a fala da experiência original.” (Maurice Blanchot, in O espaço literário, p. 49-50.) A fotografia é um grande auxiliar para a construção destes desenhos, continuando a citar a artista, “o inicio é sempre a observação, faço fotografias sobre as quais vou trabalhar durante a residência e nunca utilizo fotografias antigas, são sempre fotografias novas.”

Christine aime observer l’arbre sous différents angles de vue afin de découvrir, peu à peu, différentes formes. Ce n’est qu’après ce temps d’observation qu’elle commence à photographier. “Dans l’œuvre, l’artiste ne se protège pas seulement du monde, mais de l’exigence qui l’attire hors du monde. L’œuvre apprivoise momentanément ce “dehors” en lui restituant une intimité; elle impose silence, elle donne une intimité de silence à ce dehors sans intimité et sans repos qu’est la parole de l’expérience originelle.” (Maurice Blanchot, in L’espace littéraire, p. 49-50.) La photographie est d’une grande aide à la construction de ces dessins. Je cite de nouveau l’artiste : « Je commence toujours par observer avant de faire des photos à partir desquelles je pourrai travailler pendant la résidence. Jamais je n’utilise d’anciennes photos, mais toujours de nouvelles.”

Para Christine esta árvore tem formas orgânicas femininas e masculinas, esta mutação é muito interessante na construção do seu trabalho. Consegue visualizar muitas coisas e fazer variadas interpretações e nós como observadores também potencializamos outras interpretações.

Pour Christine, cet arbre a des formes organiques féminines et masculines. Cette mutation est très intéressante dans la construction de son travail. Elle parvient à visualiser beaucoup de choses et à faire différentes interprétations. Et nous, en tant qu’observateurs, pouvons développer d’autres interprétations.

Christine não tem uma ideia precisa do que vai desenhar quando inicia o seu processo criativo. Sente as coisas, a energia e a sua aptidão artística passam através do seu corpo que as vai interpretar e a partir dos gestos, do carvão as desenha. É um trabalho com o corpo inteiro e pouco a pouco o desenho toma consistência e a artista consciência. Por vezes volta para junto da árvore para ver melhor algum pormenor que lhe tenha escapado e sentir mais uma vez a energia da Ficus macrophylla roxburghii.

Christine n’a pas une idée précise de ce qu’elle va dessiner quand elle commence son processus créatif. Elle sent les choses : l’énergie et son talent artistique passent à travers son corps qui les interprète, et c’est à partir de ses gestes et du fusain qu’elle les dessine. C’est un travail avec le corps entier : peu à peu le dessin prend consistance et l’artiste, conscience. Parfois, elle retourne près de l’arbre pour mieux voir les détails qui lui ont échappé et sentir une fois de plus l’énergie du Ficus macrophylla roxburghii.

A árvore, a artista e o público, esta tríada constitui-se e materializa-se nos desenhos e na exposição da Christine Enrègle.

L’arbre, l’artiste et le public, cette triade se constitue et se matérialise dans les dessins et l’exposition de Christine Enrègle.

“- Ao desejo o prazer alguma força acresce.
Desejo, árvore à qual o gozo é adubo certo,
E enquanto a casca engrossa e aos poucos enrijece,
Teus ramos querem ver o sol ainda mais perto!”
(Charles Baudelaire, A Viagem IV, in As Flores do mal, p. 636.)

“- La jouissance ajoute au désir de la force.
Désir, vieil arbre à qui le plaisir sert d’engrais,
Cependant que grossit et durcit ton écorce,
Tes branches veulent voir le soleil de plus près !”
(Charles Baudelaire,
Le Voyage IV, in Les Fleurs du mal, p. 636.)

Sofia Marçal, 2022

%d blogueurs aiment cette page :