Texto de apresentação, Lisboa, agosto 2018

 

O Portugal, e especialmente Lisboa, apareceu para mi como um espaço intermediário entre a França, onde vivo, em Paris, e o Brasil, onde morei um momento, em Belo Horizonte (Estado de Minas Gerais).
O que pegou a minha atenção aqui, em Lisboa, é a presença de árvores também encontradas no Brasil.
Descubertas por acaso durante caminhadas em diferentes jardins públicos da cidade*, elas impõem sua presença por seu gigantismo e suas formas fantasmagóricas, solicitando ao mesmo tempo o imaginário e a memória.
Entre figuras de sonhos ou pesadelos, evocando recordações de contos de fadas ou cenas mitológicas, estes vegetais se animam de acordo com o vento, atravessados por uma respiração cuja « anima » se relaciona com o espírito dos antepassados : « A alma errante vem de onde vem o vento. » (Michel Serres, Les cinq sens, Paris, Ed. Grasset et Fasquelle, 1985, p.138.)
Membros de uma família com origens incertas, deslocadas de acordo com as flutuações da história, aclimatadas a novos territórios, estas árvores traduzem ao mesmo tempo o enraizamento e o nomadismo, a permanente e o transitório.

Seus movimentos de metamorfose são traduzidos em carvão végetal sobre tela de algodão, através de um conjunto de gestos que se inscrevem na continuidade deles e acompanham suas deslocações afim de dar lugar ao desenho.
Realizados por séries de três, sub a forma de trípticos, apresentados em seguida na parede em dois metros de altura, as dimensões dos desenhos (150 x 80 cm cada) assemelham-se àquelas do corpo humano, envolvendo o espectador dentro de um dispositivo em espelho.
É uma obra de transposição no tempo e no espaço, de transformação da matéria através da manipulação de diferentes ferramentas e suportes, como é um trabalho de tradução que permite a passagem de uma língua para outra, de uma cultura para outra : a lingua do vegetal que se exprime através de seu desenvolvimento, do seu crescimento e as formas que resultam deles, a (lingua) dos gestos desenvolvidos ate dentro do estúdio que dão visibilidade aos desenhos, e enfim, a (lingua) da sua apresentação – com as interpretações, as evoluções de sentido e até mesmo as distorções que os diferentes graus de tradução implicam, segundo um processo de hibridação.

Este trabalho foi realizado durante uma residência no Centro de Investigação artística Hangar, em Lisbõa, em agosto de 2018.
Foi apresentado na quinta-feira 23 de agosto, ao lado das obras dos artistas Sabine Gruffat (Estados-Unidos) e Ana Esteve Reig (Espanha), sub a supervisão da curadora Cristina Tejo.

Agradeço vivamente a toda a equipe do Hangar por seus acolhimento e apoio que permitiram a realização deste projeto.

Christine Enrègle, setembro de 2018

*Especialmente o Jardim da Estrela e o Jardim botanico tropical de Belem.

 

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